Doação estratégica x filantropia baseada em confiança: 2 abordagens para o impacto social

Na história da filantropia, foram desenvolvidas diversas modalidades para garantir que as doações cheguem ao seu destino e tenham maior impacto. Essa evolução reflete a tentativa de equalizar a assimetria de poder entre os doadores e os recipientes das doações. Recentemente, duas abordagens que têm se destacado são as chamadas “doação estratégica (strategic giving)” e “filantropia baseada em confiança (trust-based philanthropy)”. Enquanto a primeira se baseia em dados e é guiada por resultados, a filantropia baseada em confiança, sem deixar de lado esses fatores, busca empoderar e dar autonomia aos recebedores dos recursos, com o objetivo de balancear melhor esta relação entre doadores e recipientes.

Vamos entender melhor como funciona cada uma dessas modalidades, a diferença entre elas e para quais fins cada uma melhor se aplica?

Doação estratégica

Desde a década de 1990, o setor de filantropia tem se orientado por abordagens focadas em dados e resultados, que foram reunidas no termo “guarda-chuva” doação estratégica. Essa filosofia faz sentido se pensarmos que há tantas demandas concomitantes, como redução da pobreza, acesso à saúde, educação, moradia digna, oportunidades de geração de renda etc., que é preciso pensar uma maneira de focar e definir claramente qual o escopo de atuação de uma organização filantrópica e os resultados que se deseja alcançar. Ao se guiar por dados e resultados, as organizações podem alocar os recursos, que sempre são limitados, de forma mais estratégica, priorizando o que trará maior retorno em termos de impacto social.

Não dá para negar que essa abordagem fortaleceu o campo da filantropia ao trazer rigor e foco em como as centenas de bilhões de dólares destinados a doações são aplicados. Mas um efeito adverso da doação estratégica é aumentar a distância entre doadores e recipientes dos recursos, que efetivamente “botam a mão na massa” e operacionalizam as ações de impacto social. Segundo alguns especialistas, isso reforça desigualdades sistêmicas.

Filantropia baseada em confiança
A partir desta constatação de que a doação estratégica pode aumentar a distância e desigualdade entre doadores e recipientes, nos últimos anos se desenvolveu uma nova abordagem, que na verdade reúne sobre esse “guarda-chuva alguns métodos já utilizados há bastante tempo na filantropia. O objetivo é redistribuir o poder de forma sistêmica, organizacional e interpessoal para criar um sistema de filantropia mais saudável e igualitário.

Em 2020, MacKenzie Scott, ex-esposa de Jeff Bezos e um dos nomes mais atuantes do setor de filantropia, ganhou as manchetes ao anunciar que faria doações somando US$ 5,8 bilhões para diversas organizações, eliminando ao máximo a burocracia e supervisão sobre como esses recursos seriam gastos. Em 2021, ela já doou mais US$ 2,7 bilhões seguindo o mesmo princípio. Para garantir que os recursos seriam bem aplicados, a equipe dela fez uma pesquisa prévia para identificar organizações com lideranças e equipes fortes e que já demonstraram competência na gestão e operação de ações de impacto. Ou seja, a “confiança” da filantropia baseada em confiança não ignora dados e resultados, pelo contrário. O que muda é o grau de envolvimento dos doadores no dia a dia do processo. Os doadores precisam exercitar valores como igualdade, humildade, curiosidade e colaboração e tirar um pouco do controle sobre os recursos, confiando que eles estão em boas mãos.


Há seis princípios que guiam a filantropia baseada em confiança. Em primeiro lugar, está o financiamento plurianual e se restrições, baseado na ideia de que os recipientes sabem melhor do que ninguém o que eles precisam e como aplicar melhor o dinheiro. O segundo é a due dilligence dos doadores, a pesquisa prévia sobre as organizações candidatas a receber a doação, suas fortalezas e pontos fracos. O terceiro é reduzir e simplificar a burocracia e as etapas do processo de doação. O quarto é ser transparente e responsivo e o quinto é solicitar e receber o feedback dos recipientes. Por fim, o apoio aos recipientes além dos recursos financeiros, de maneira similar à abordagem do Venture Philanthropy.

O importante é entender que essas duas abordagens não são excludentes, mas complementares. Ambas trazem boas ferramentas para aumentar a efetividade das doações e impacto gerado. Em geral, a proximidade do doador faz mais diferença nos primeiros estágios do processo, mas quando a ação de fato começa, é mais efetivo que o doador confie na entidade e não peça tanta papelada sobre como o dinheiro está sendo aplicado, pois isso consome tempo e energia que os recipientes podem utilizar melhor de fato executando as ações. Confiança e estratégia devem caminhar juntas!

Para saber mais:
Trust-Based Philanthropy and Strategic Giving – Stanford Social Innovation Review (em inglês)

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