Nos últimos anos, a pauta do antirracismo e o enfrentamento à inequidade racial entraram definitivamente na pauta. Recentemente, acompanhamos indignados ataques racistas a jogadores de futebol, como o brasileiro Vinícius Jr., do Real Madrid, e temos um consenso de que estas atitudes são indefensáveis. Mas também muito se discute sobre como formas mais sutis e naturalizadas de racismo permanecem na sociedade e formam a base para que as pessoas negras, indígenas e, em geral, racializadas, sigam tendo menos acesso a oportunidades e a direitos básicos.
A educação, como instituição chave para a construção de uma sociedade, tem um papel crucial no enfrentamento ao racismo. É na escola que as crianças desenvolvem suas identidades e aprendem como conviver socialmente com respeito e colaboração. Por isso, é muito importante que as políticas públicas na área da educacional tenham como premissa o avanço de uma educação antirracista.
Esta é a posição da Todos pela Educação, organização da sociedade civil que é referência em políticas para a educação básica e parceira do Instituto Órizon. Recentemente, a Todos pela Educação divulgou suas recomendações para políticas de equidade étnico-racial nas escolas, parte da iniciativa Educação Já. O documento, com a coordenação técnica da Mahin Consultoria Antirracista e do Todos Pela Educação, apoio da Imaginable Futures e Fundação Lemann e contribuição técnica do Instituto Unibanco, Itaú Social e Fundação Telefônica Vivo, traz recomendações para o governo federal e os governos estaduais.
Olhar para o passado construindo o futuro para a equidade étnico-racial
O documento parte da premissa de que, para construir o país que queremos no futuro, o primeiro passo é “olhar pelo retrovisor”, para nossa História, e entender de onde viemos e onde estamos. Desta forma, vemos que, sem as pessoas indígenas, negras e quilombolas, o Brasil como conhecemos hoje não existiria, mas que ao longo da nossa história essas pessoas foram sistematicamente alvo de violências, oprimidas e tiveram suas histórias apagadas. A partir dessa constatação, podemos pensar num futuro que inclua a todos que, com sua potência e realizações, constroem nosso país.
A partir de 2021, o Todos pela Educação se uniu com a Imaginable Futures e diversas outras entidades e ativistas para incluir uma abordagem antirracista à iniciativa Educação Já. Eles fizeram um diagnóstico, baseado em uma abordagem ancorada no pensamento sistêmico, ouvindo mais de 60 profissionais que conhecem de perto as políticas educacionais e os desafios de materializar a equidade étnico-racial na administração pública, na academia, nos movimentos sociais ou no terceiro setor.
Esse diagnóstico resultou em um mapa sistêmico que demonstra graficamente os principais desafios e as oportunidades identificados para promoção de uma Educação com equidade étnico-racial, e de três alavancas que identificam áreas estratégicas nas quais o potencial de transformação do atual cenário se mostraria mais acentuado. As alavancas são:
1 – Acesso e representação com proporcionalidade, respeito e dignidade
Elevar as vozes negras, indígenas e quilombolas por meio de acesso e representação em posições de liderança com proporcionalidade, assegurando que essas lideranças possuem conhecimento aprofundado sobre equidade étnico-racial e recebam todo o suporte necessário para que consigam permanecer com respeito, dignidade, saúde mental e física dentro desses ambientes.
2 – Pessoas indígenas, negras e quilombolas conscientes, pessoas brancas críticas
Elevar o nível de entendimento sobre questões étnico-raciais para que as pessoas que são vitimadas pelo racismo sejam conscientes de como ele opera no Brasil e que as pessoas brancas sejam mais críticas, especialmente sobre o seu papel na transformação deste quadro, fazendo com que as políticas e as práticas não sejam desenhadas de maneira a beneficiá-las, mas sim a todas as pessoas brasileiras.
3 – Políticas educacionais para a Educação das relações étnico-raciais e fortalecimento de identidade
Promover a implementação efetiva de políticas educacionais que valorizam as identidades negras, indígenas e quilombolas, aumentando a legitimidade destes grupos dentro do sistema educacional, bem como o seu desempenho e permanência escolar.
As recomendações para os governos federal e estaduais foram divididas em cinco capítulos: Gestão de Sistemas Educacionais e Financiamento; Gestão Escolar e Professores; Políticas Pedagógicas; Educação Escolar Quilombola (EEQ); e Educação Escolar Indígena (EEI). Vale ler o documento para conhecer em detalhe cada uma das recomendações.
Mas podemos destacar algumas que são transversais, ou seja, que abarcam mais de uma, ou todas essas dimensões. Por exemplo, o fortalecimento das políticas de pesquisa, monitoramento e avaliação com o recorte étnico-racial; ou o crescimento de políticas de formação continuada e expansão de repertório na temática de Educação das Relações Étnico-Raciais para professores, gestores escolares, e demais profissionais que atuam na educação básica.
A qualidade do conteúdo impressiona, com todas as recomendações bem embasadas em dados e pesquisas. Com o tema da igualdade étnico-racial no centro dos debates, acreditamos que as esferas governamentais estão abertas a conhecer e adotar essas recomendações e temos certeza de que elas contribuirão muito para construirmos uma educação verdadeiramente racista e assim formar as próximas gerações para que elas saibam superar o legado do racismo e garantir um futuro com igualdade de oportunidade para todas as pessoas, seja qual for sua raça e etnia!