No artigo anterior, falamos do fenômeno dos jovens que não trabalham nem estudam, os “nem-nem”, e do quanto eles, além de perderem a oportunidade de um futuro melhor, também deixam de produzir riqueza e contribuir para o desenvolvimento de um país. O Brasil, como destacamos, é o segundo país com maior proporção de jovens nem-nem, e esse fenômeno é diretamente ligado aos crônicos problemas que temos no campo educacional. Apesar de termos avançado bastante nas últimas décadas, após a implantação de políticas públicas para a universalização e melhoria da qualidade da Educação Básica, estamos longe de garantir um ensino de qualidade para todos.
Sempre ouvimos dizer que um desses problemas é a “falta de valorização dos professores”, e realmente esse é um dos principais fatores. Os profissionais que têm a missão essencial de cuidar e zelar pelo ensino das nossas crianças e adolescentes – do nosso futuro – estão consistentemente no fim da lista de salários das carreiras de ensino superior. No Brasil, educadores com nível superior ganham o equivalente a 54,5% do que recebem outros profissionais com o mesmo nível de formação. Os baixos salários dos professores da educação básica, são sem dúvida o principal motivo dessa desvalorização, mas não o único.
A valorização (e desvalorização) da carreira docente passa também, por exemplo, pelas baixas perspectivas de crescimento na carreira, pela formação deficiente desses profissionais, e pelas difíceis condições que eles enfrentam na sala de aula – de problemas graves de infraestrutura, falta de materiais e recursos, à violência por parte de alunos e até, mais recentemente, a perseguição por questões político-ideológicas. Todos sabemos que ser professor não é tarefa fácil, e não adianta resolver a questão apelando para lugares-comuns como “os professores são heróis”, “tem que realmente ter vocação para ser professor” e “educar é um ato de amor”. Tudo isso é verdade, mas acabam obscurecendo os principais causadores da desvalorização da profissão.
Lei do Piso precisa de ajustes para garantir valorização salarial dos professores
Para falar apenas da questão salarial: um estudo da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que o piso salarial dos professores dos anos finais do Ensino Fundamental brasileiro é o mais baixo entre 40 países. Para tentar mudar essa realidade, em 2008 foi aprovada a Lei nº 11.738/2008, a chamada “Lei do Piso”. A lei estabelece um valor mínimo a ser pago para os profissionais do magistério público com formação em nível médio com uma carga semanal de 40 horas, juntamente com um critério de reajuste a ser aplicado anualmente. Fruto de amplas mobilizações dos professores, foi uma grande conquista para a educação brasileira, sendo uma ferramenta essencial para a promoção da valorização docente.
Mas, como alerta a organização Todos pela Educação, o critério de reajuste estabelecido pela legislação atual precisa ser rediscutido. Eles apontam duas razões principais:
– O reajuste do piso é calculado utilizando-se como base a receita do Fundeb e o número de matrículas da Educação Básica. Com essa forma de cálculo, o atual critério não leva em consideração, necessariamente, a disponibilidade orçamentária dos entes. Ou seja, um aumento de 15% no valor do Piso, por exemplo, não significa que os recursos disponíveis para as redes aumentaram na mesma proporção, já que a diminuição no número de matrículas – uma tendência por conta da transição demográfica – também impacta no cálculo.
– A atualização anual do Piso, originalmente, deveria ser calculada com base no valor aluno ano do Fundeb. No entanto, com a aprovação do Novo Fundeb em 2020, essa lei de 2007 foi revogada, causando uma discussão sobre “vácuo normativo”, com a justificativa de que o critério de reajuste do Piso não teria mais base legal, o que tem gerado diversos processos de judicialização por parte dos municípios. A consultoria jurídica do MEC emitiu um parecer indicando a necessidade de o Congresso Nacional discutir uma atualização da Lei para que o critério de reajuste tenha nova normatização. Indicando a necessidade de o Congresso discutir uma atualização da Lei para que o critério de reajuste seja revisto.
Da forma que está, por exemplo, o Piso apresentou valores de reajustes superiores à inflação em 2022, de 33,2% (IPCA de 2021 foi 10,06%) e, em 2023, 14,9%, (IPCA do ano anterior foi de 5,79%). Mas, em 2024, o reajuste vai ficar abaixo da inflação: 3,62%, contra 4,62% da inflação de 2023 pelo IPCA. Esse modelo acaba trazendo pouca previsibilidade, reduzindo a capacidade de planejamento tanto para quem paga os salários (as redes públicas de ensino) como para quem recebe (os professores).
Formação continuada e jornada de trabalho também contam na valorização docente
Além da Todos pela Educação, outras entidades estão pensando em propostas para a valorização docente. Durante o processo eleitoral de 2022, por exemplo, a iniciativa Agenda 227 reuniu mais de 300 organizações da sociedade civil que viram no processo eleitoral a oportunidade de colocar os direitos de crianças e adolescentes em foco no debate público e nos planos de governo. A Agenda 227 trouxe entre suas 10 propostas para a área da Educação a Valorização Docente, pensando de forma ampla. Além de assegurar o cumprimento do piso salarial, a proposta pede a definição de planos de carreira e a oferta de formação inicial continuada. A formação continuada, com no mínimo 80 horas, não alcança 50% dos docentes de nenhuma das etapas da educação básica.
É importante lembrar, que além das horas-aula, em que o professor está em contato com os alunos, ele trabalha muito mais com planejamento das aulas e avaliações, reuniões, correção de atividade e provas… Por isso, o recomendado é que o professor não ultrapasse 20 horas semanais. A dedicação exclusiva a uma só escola também permite que o professor possa pensar o Plano Político-Pedagógico (PPP), fazer um planejamento adequado e garantir continuidade pedagógica. Mas muitos, para ter uma remuneração adequada, acumulam aulas em mais de uma escola e/ou turno, e ficam sem tempo para se dedicar à sua formação continuada. Sabemos que tempo é um recurso escasso para os docentes, mas com a tecnologia é possível complementar sua formação com cursos online gratuitos e que não tomam muitas horas. O site da Nova Escola (que está repleto de materiais valiosos para os professores da educação básica) indica 25 cursos online gratuitos para professores.
Como uma organização que surgiu para apoiar quem faz a diferença na educação brasileira, o Instituto Órizon reconhece a importância da valorização da carreira docente como um passo fundamental para superarmos nossas defasagens educacionais e garantirmos um futuro com mais oportunidades para todos e o desenvolvimento sustentável de nosso país!