Estamos falando bastante aqui em nossos artigos sobre os grandes desafios da Educação Básica no Brasil, em especial a defasagem de aprendizado que persiste apesar dos investimentos nessa etapa da educação. Já mostramos, por exemplo, que estamos longe das metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE) para serem atingidas até 2024. Depois, falamos que o Brasil ainda não venceu o desafio da alfabetização. Esta é, a nosso ver, talvez a maior prioridade da educação brasileira, pois fará a diferença em tudo que vier depois: garantir que todas as nossas crianças saiam da Educação Básica plenamente alfabetizadas.
Mas devemos pensar alfabetização no sentido amplo do termo. Saber as letras do alfabeto e assinar seu nome estão longe de significar ser alfabetizado. Por exemplo, os parâmetros da pesquisa Alfabetiza Brasil do Ministério da Educação para considerar uma criança alfabetizada são: Capacidade de ler pequenos textos, formados por períodos curtos e localizar informações na superfície textual; conseguir produzir inferências básicas com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos; e escrever textos que circulam na vida cotidiana para fins de comunicação simples, como convites e lembretes, mesmo que com desvios ortográficos.
Alfabetização – Hábito da leitura deve ser incentivado desde cedo
Ou seja, a alfabetização plena está intimamente relacionada ao hábito da leitura. E esse hábito deve ser cultivado não só na escola, mas também em casa. Os pais das crianças em idade de alfabetização têm, portanto, uma missão muito importante: incutir nos filhos o hábito da leitura desde cedo. Importante lembrar que o desenvolvimento da linguagem oral se dá bem antes da alfabetização, quando a criança tem entre 1 e 4 anos. Esse desenvolvimento ainda antes da escola é fundamental para que ela se alfabetize de forma plena. Então ler histórias, ter livros ilustrados e revistinhas em quadrinhos em casa, e estar próximo da criança, conversando e passando conceitos ainda na primeira infância, faz toda a diferença.
Um conceito importante para se pensar na forma mais eficaz de alfabetizar uma criança é a fluência leitora. Como o nome indica, fluência leitora é o nível de leitura que uma pessoa possui: o quanto ela consegue compreender e internalizar a informação contida em um texto, adicionando essa informação ao seu repertório cognitivo-intelectual. A maior parte dos especialistas em alfabetização concorda que a fluência leitora é central para a compreensão de texto (embora outros fatores também contribuam).
Segundo este ótimo artigo da Fundação Lemann sobre as avaliações de fluência leitora, “Uma leitura adequada requer que os leitores processem o texto (seus elementos superficiais) e o compreendam (os sentidos profundos)”. Um leitor é fluente quando consegue desenvolver um controle sobre o processamento do texto no nível dos elementos superficiais. Assim, ele consegue manter seu foco no entendimento dos sentidos profundos que são incorporados ao texto no ato da leitura, incorporando esses sentidos ao seu repertório. A fluência em leitura possui três dimensões, que constroem a ponte para a compreensão: precisão, automaticidade e prosódia. Um leitor fluente sobrecarrega menos seu aparato cognitivo no momento de decodificar o que lê. Por isso, consegue compreender melhor aquilo que foi lido, liberando espaço para realizar as inferências necessárias ao processo leitor.
Avaliações devem considerar efeitos da digitalização e desigualdade
O artigo traz as referências mais atuais sobre fluência leitora e os métodos de avaliação que medem o nível de fluência no nível individual do aluno e de grandes grupos de estudantes, que podem indicar o nível médio de fluência de leitura geral dos estudantes de uma cidade e até de um país. Uma das principais é a EGRA (Early Grade Reading Assessments), que foca nos primeiros anos da Educação Básica. O desenvolvimento de novas metodologias de avaliação que, por exemplo, levem em conta o efeito da digitalização na alfabetização das crianças, pode contribuir para temos uma compreensão cada vez maior da fluência leitora em nossas crianças e prepará-los para serem, no futuro, cidadãos e profissionais totalmente habilitados para desenvolverem todo o seu potencial e contribuírem para a sociedade.
Um grande desafio é diminuir a desigualdade de fluência leitora entre crianças de famílias e regiões mais ricas e mais pobres. Sabemos que a desigualdade no acesso à educação é um dos fatores-chave para a perpetuação da desigualdade social e do ciclo de pobreza. As políticas de aumento da fluência leitora em países desiguais como o Brasil devem ter essa premissa de diminuir a desigualdade, garantido que todas as crianças tenham a mesma oportunidade de se desenvolver.
Aqui no Instituto Órizon acreditamos que aumentar a fluência leitora de nossas crianças deve ser uma prioridade, e as organizações sociais de educação que apoiamos – Colégio Mão Amiga, Pró-Saber SP e Rede Cruzada – têm ações e projetos nessa área. Incentivar a leitura até que todas as crianças “destravem” essa competência é talvez a forma mais eficiente de possibilitar um futuro melhor para eles e para nosso país.