A América Latina é marcada por grandes contrastes. Por um lado, temos imensos desafios sociais, econômicos e ambientais, como a alta desigualdade no acesso a educação e oportunidades. Por outro, a região possui uma economia pujante, com setores financeiro e de investimentos bem estabelecidos, e uma rede consolidada de organizações da sociedade civil, empreendedores sociais e ações criativas e inteligentes para enfrentar os desafios socioambientais. Como país mais populoso e maior economia da região, o Brasil é referência para toda a América Latina também em temas como investimento de impacto e Venture Philanthropy.
O conceito de Venture Philanthropy, que tem como pilares o financiamento personalizado e a longo prazo, o apoio não financeiro e a gestão e medição do impacto de ações socioambientais, tem se desenvolvido muito na América Latina nos últimos anos. Uma mostra disso é a Latimpacto, rede vinculada a um movimento global de Venture Philanthropy também presente na Europa, Ásia e África. A Latimpacto é uma comunidade de provedores de capital – humano, intelectual e financeiro – comprometidos em implementar soluções de maior impacto na América Latina e Caribe. Eles oferecem valor em três pilares: conexões, conhecimento e comunidades de impacto. No pilar de conhecimento, elaboram pesquisas, publicações e cursos. Entre eles, está o Relatório Investimento Social e Impacto no Brasil, lançado recentemente.
O relatório traz muito conteúdo de alta qualidade sobre Venture Philanthropy e Investimento para Impacto, o estágio atual desse modelo no Brasil, oportunidades e tendências e casos bem-sucedidos de ações e organizações que já estão fazendo a diferença por meio dessa abordagem. Vale a pena ler o relatório completo, mas vamos destacar aqui alguns dos principais pontos apresentados.
Como o Venture Philanthropy pode gerar mudanças sistêmicas
O Venture Philanthropy, ou investimento para impacto, é um meio termo entre a filantropia tradicional e o investimento de impacto. Ele prioriza o impacto social e ambiental sobre o retorno financeiro, mas busca a sustentabilidade financeira das ações. Em outras palavras, o investimento de impacto prioriza o retorno financeiro, mas também tem uma preocupação social, enquanto o para impacto inverte as prioridades. O objetivo é gerar mudanças sistêmicas, e essa abordagem é mais estratégica na forma como utiliza recursos financeiros e humanos, além de adotar processos e práticas do setor financeiro para provocar essas mudanças.
Os grandes diferenciais desse modelo são o comprometimento a longo prazo e a proximidade entre os financiadores e as entidades que recebem apoio. Outra característica é uma maior tolerância a assumir riscos, em relação às abordagens da filantropia tradicional e do investimento de impacto. Assim, ele ajuda a fortalecer as organizações sociais e apoia e catalisa soluções inovadoras para problemas socioambientais.
Atuais desafios socioambientais no Brasil
Apesar de ser a 9ª maior economia do mundo, o Brasil também é o 7º país mais desigual do planeta segundo o índice GINI do Banco Mundial, além de ser apenas o 79º no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). 54,8 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza, a hoje, com os efeitos da pandemia e da inflação que atingiu em cheio o preço dos alimentos, cerca de 20 milhões de pessoas passam fome em nosso país.
Na educação, que deveria ser o principal passaporte para o desenvolvimento e a erradicação da pobreza, também há muita desigualdade. 38% dos brasileiros não têm nem o ensino fundamental completo, e a taxa de analfabetismo é cerca de três vezes maior para a população negra.
Na área ambiental, também há um grande contraste entre políticas públicas e legislação vistas como referência e uma realidade de aumento do desmatamento, principalmente na região amazônica, reservas de água ameaçadas e poluição nas cidades.
Histórico brasileiro de investimento social
O relatório traça um panorama histórico desde a filantropia tradicional, já bem estabelecida no país, aos novos atores e formatos que se desenvolveram nos últimos anos e deram um novo impulso ao investimento social. Embora seja importante, o modelo tradicional de filantropia tem algumas limitações, como o fato de serem reativas e desarticuladas, muito baseadas em projetos com escopo de atuação limitado. 61% das organizações filantrópicas, como fundações e institutos, atuam na área da educação. Nas últimas décadas, surgiram novos modelos, com um visível avanço estrutural do Terceiro Setor. Foram estabelecidos ecossistemas e rede e se consolidaram os negócios sociais, que buscam soluções para problemas socioambientais por meio de atividades regidas pela lógica de mercado, com retornos financeiros.
Panorama brasileiro frente ao cenário global
O avanço do investimento social no Brasil acontece em linha com tendências vistas no resto do mundo. Em 2020, a Global Impact Investing Network (GIIN) publicou um estudo concluindo que, no final de 2019, 715 bilhões de dólares estavam sendo geridos por 1.720 organizações no mundo declaradas investidores de impacto. Os principais desafios internacionais são: capital para projetos mais arriscados, opções de saída viáveis, a sofisticação limitada das práticas de mensuração e gestão de impacto, falta de oportunidades de investimento de alta qualidade, e necessidade de padrões e ferramentas mais viáveis para medir o impacto socioambiental.
Segundo outro estudo, da ANDE (Aspen Network of Development Entrepeneurs), no Brasil há uma lacuna relevante para investimentos entre 250 mil e 1 milhão de dólares de maior risco. A 3º edição do Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental no Brasil mostra que tickets menores, de até 500 mil reais, são a grande demanda dos empreendedores. O acesso a investimento continua a ser a maior desafio para os negócios: 49% estão em busca de capital, sendo que 28% visam até 100 mil reais e outros 36% entre 101 mil e 500 mil reais. Ou seja, no Brasil e no mundo, o modelo do Venture Philanthropy, que aceita maior risco mas traz ferramentas que aumentam a possibilidade de sucesso, tem muito espaço para crescer.
O relatório da Latimpacto também traz um panorama muito completo do ecossistema brasileiro de impacto, com as redes, alianças e coalizões que reúnem tanto fundações e institutos quanto empresas e órgãos públicos. A percepção é de um ecossistema ainda em construção, com muitas oportunidades de articulação e desenvolvimento. O uso do blended finance, que combina diferentes tipos de capital, como o filantrópico, privado e/ou público, é considerado uma das tendências que devem crescer nos próximos anos. Além da educação, projetos focados em geração de trabalho e renda e empreendedorismo têm muito potencial de crescimento. Ainda há muito campo para projetos relacionados às desigualdades de gênero e raça, e à área da saúde e saneamento.
Por fim, o relatório reúne alguns casos inspiradores de projetos brasileiros que obtiveram ótimos resultados utilizando modelos baseados em investimento para impacto e Venture Philanthropy. Vale a pena baixar o material para conhecer todos eles!
Como uma das organizações que surgiram recentemente para fomentar o Venture Philanthropy no Brasil, o Instituto Órizon aplaude a iniciativa da Latimpacto de lançar esse excelente conteúdo de referência sobre o tema. Juntos, faremos muito mais!
Para saber mais:
Relatório Investimento Social e Impacto no Brasil – Latimpacto
Latimpacto – Site oficial