Quem atua na área social, infelizmente, precisa lidar muito com a frustração. Afinal, solucionar os problemas sociais é um desafio imenso, e muitas vezes o trabalho pode parecer em vão. É como a Hidra, aquele monstro mitológico de várias cabeças e, quando uma era decepada, outra crescia em seu lugar. Apesar de todos os esforços empreendidos, parece que os problemas sociais só aumentam.
Aqui no Brasil, e na área de educação em especial, esse sentimento de frustração é comum. Como mostramos no ano passado, por exemplo, nas últimas décadas, apesar de todo o investimento governamental, privado e do terceiro setor, ainda não erradicamos o analfabetismo. A sensação parece ser de “enxugar gelo”, sempre solucionando um problema emergencial enquanto vários outros problemas aparecem. Como quebrar esse ciclo?
Recentemente, um artigo de Christian Seelos, publicado na Stanford Social Innovation Review, buscou responder a essa pergunta tão importante. Ele traz uma visão crítica sobre um modelo de filantropia baseado na abordagem de “solução de problemas (problem-solving)”, e traz outra proposta: a “Zero-Problem Philanthropy (Filantropia Problema-Zero)”.
Para ele, é natural que solucionar problemas tenha se tornado a razão de ser da filantropia, mas essa abordagem tem limitações. A expectativa por resultados positivos imediatos em situações complexas acaba levando à aversão ao risco e pensamento de curto prazo. Organizações filantrópicas com grandes recursos, geralmente de países e regiões mais ricas, têm a tendência de achar que sabem como fazer e enxergam os beneficiários como simples recipientes de soluções. Além disso, focar em problemas individuais leva a soluções fragmentadas e desperdício de recursos.
A essa altura, já pudemos perceber que, muitas vezes, uma solução pode gerar novos problemas, não previstos. Um exemplo é o grande desenvolvimento dos medicamentos antibióticos, que sem dúvida salvou milhões de vidas, mas leva ao surgimento das “superbactérias” resistentes a tratamento. Não só na filantropia, mas no mundo da tecnologia, por exemplo, essa filosofia de “solucionismo” tem criado problemas que não existiam. Essa abordagem é reativa, e olha para o passado. Segundo o pesquisador, a filantropia deve ser mais proativa e orientada para o futuro.
A chave é criar contextos saudáveis
E como fazer isso na prática? Ele traz um cenário promissor na área da medicina. A chamada “medicina 3.0” tem buscado priorizar manter as pessoas saudáveis por períodos mais longos, em contraste com a medicina atual, que foca em solucionar problemas de saúde. E sabemos que, muitas vezes, o remédio para uma doença pode criar novos problemas de saúde no paciente. Criar e sustentar saúde em vez de curar doenças.
Você já deve ter ouvido a máxima “todas as organizações são perfeitamente desenhadas para obter os resultados que obtêm”. Isso também se aplica a sistemas e contextos sociais. Nosso sistema social é inerentemente desigual e injusto, e isso cria problemas que não são inesperados, mas parte do sistema. Assim, é necessário mudar o contexto social. É exatamente esse o objetivo da Zero-Problem Philanthropy.
Nesta perspectiva, o investimento social deve ser feito no desenvolvimento de um contexto mais saudável, criando uma base sólida para que, no futuro, as pessoas possam prosperar, e não apenas obterem soluções para seus problemas imediatos. Seelos traz exemplos reais de como a abordagem da Zero-Problem Philanthropy trouxe ótimos resultados em áreas como transporte público e população em situação de rua.
Para mensurar ações que criam um contexto mais saudável, Seelos se baseia no filósofo Amartya Sen, um dos principais pensadores atuais sobre questões sociais. Sen sugere que devemos mensurar o contexto social com base na sua capacidade de dar às pessoas e comunidades maior liberdade e condições para buscar o que elas dão mais valor na vida. Claro, isso pode variar muito de um contexto cultural para o outro, mas no geral todos queremos mais ou menos a mesma coisa: viver uma vida longa, saudável e digna, amar e ser amado, criar laços afetivos e sociais…
Para quem lê em inglês, o Instituto Órizon recomenda ler o artigo completo, mas em resumo, a Zero-Problem Philanthropy busca, em vez de solucionar problemas, evitar que eles apareçam, ao criar um contexto mais favorável.
Não é algo fácil de conseguir no curto prazo, mas já foi demonstrado que é possível!